quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O lado escuro da balança


Uma roda de amigos, no bar, à noite, num bairro qualquer.

Leiliane: A sociedade é hipócrita. O ser humano é hipócrita.

Conrado: Todos são normais por fora, mas são bizarros por dentro.

Paula: Eu sou bem resolvida, não preciso me esconder de ninguém. Tenho minha vida simples de estudante universitária e trabalhadora. Procuro apenas um companheiro. Não quero me casar. Tem quem me cobra arranjar um namorado.

Felipe: Meu negócio é mulher. Não tenho vontade de me casar, só quero curtir. A sociedade que se dane.

E no brinde com cerveja, quatro mãos se juntam num só desejo.

- Fora hipocrisia! Viva à liberdade!

O relógio tocou. Era hora de irem embora.

Leiliane se despediu dos amigos. Encontrou pelo caminho uma loira sensual, com cara de fútil. Olhou-a com ódio por ser daquela forma, tão desprezível, por ser tão ela mesma. Andou mais alguns quarteirões. Olhou para os lados. Abriu seu sobretudo. Formou-se uma fêmea com pouca roupa e muitos desejos. Logo um rapaz se aproximou. Deu em cima dele. Foram para um galpão abandonado. Fizeram amor ali mesmo.

Conrado saiu do bar a passos lentos. Não queria ir para casa. Resolveu pegar um ônibus, sem rumo. Desceu numa avenida distante. Olhou se alguém suspeito o veria. Ninguém à vista. Sentiu-se livre. Tirou a camisa pólo. E num misto de desejo e irritação, começou a lamber as portas esteiradas dos estabelecimentos fechados.

Paula ainda tomou mais uma cerveja. Quando saiu, sentiu seu corpo solto como se tivessem jogado óleo lubrificante nas suas articulações. Começou a correr pela rua, gritando altos palavrões contra a sua rotina. Chegou até um cruzamento vazio. Sentou no meio. Olhou para os quatro cantos. Não sabia para onde ir. Ou ia para a casa de Thiago, transar com ele como prometido, ou para a casa de Alessandra, transar com ela conforme prometido. Ou para a casa de Juliano, formalizar o seu namoro, ou para casa de Luciano, seu ficante-amigo-companheiro de todas horas, jogar videogame.

Felipe foi a último a sair. Andou calmante até seu carro. Pensou em ir para casa mas pensou em assediar algumas garotas na rua. Apenas mexer, porque seu negócio eram garotos, jovens, cheios de estilo e músculos. Foi encontrar Cacá em sua casa, vestido com a bermuda jeans, a camiseta de gola em V e um tênis de skate branco velho que tanto o excitava. Sua língua começou por ele. Logo, já estavam brincando de marido e mulher.

A noite passou. Leiliane se vestiu e voltou para casa. Conrado foi lavar a boca com sabão. Paula foi na casa de Luciano jogar videogame e Felipe acordou abraçado com um pé do tênis de Cacá.

O relógio tocou. Vestiram-se com suas normalidades. Foram para sua rotina. A sensação de culpa foi junta. O tempo escasso para refletir deixou-a guardada para depois.

E à noite, no mesmo bar, os amigos se reencontraram.

Leiliane: Vi uma biscate no caminho de casa! Vagabunda! Como mulher se presta à um papel daquele?

Conrado: Tenho medo desse povo doido que a gente encontra à noite.

Paula: Sou uma pessoa bem resolvida, e madura.

Felipe: Ontem peguei duas mulheres. Até acordei abraçado com um dos saltos dela. Eu não sou como esse povo moderninho que acha legal pegar homem e mulher. Eu sou macho.

E todos riram, felizes, pois a balança estava equilibrada entre a moral da sociedade e o imoral dos seus sentimentos.

- Abaixo a hipocrisia!

Com as portas trancadas para o outro lado, é fácil dizer.

Até o dia em que:

o Abaixo a hipocrisia

for

a hipocrisia

vindo

abaixo!

Danilo Moreira

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FOTO: http://julysilver.blogspot.com/2010/04/balanca.html

12 comentários:

Renan Barreto disse...

Que bom que gostou do meu blog, Danilo! Fico realmente feliz. Bem, vim aqui rápido para tecer um comentário de agradecimento, mas depois voltarei com calma para poder ler o texto. Vamos trocar links sim. Já adicionei o seu lá no meu blogroll! Grande abraço e obrigado pela sua visita ^^


Valeu!

mmm disse...

Danilo você disse tudo nesse texto, o pior e que as pessoas são praticamente todas assim ipócritas.
e bom p/ refletirmos. Abraço
Marcel

mmm disse...

To tão cansado agora, mais nao poderia deixar de dizer o quanto gostei do texto muito bom pra refletirmos. um abraçoo
Marcel

Gilson Alves disse...

Ousado o texto Danilo, ótimo como sempre. Todos nós temos uma poeira em baixo do tapete né? Talvez a escondemos mais de nós mesmos do que da sociedade... E acredito que a hipocrisia é mais crítica qdo pintamos a "sociedade" como um ente, na realidade ela começa em nós! Felipe: "Eu não sou como esse povo moderninho que acha legal pegar homem e mulher. Eu sou macho" a opressão maior vem dele mesmo... Ele nao se respeita em suas escolhas, ou condição, nem que tda a sociedade mudasse o modo de pensar... Talvez estejamos sendo um Felipe, uma Paula, um Conrado, se esconder nao é crime, mas é doído apontar o outro qdo vc é como ele...

gilSon alvess
http://gilsonalvess.blogspot.com

Hugo de Oliveira disse...

Excelente texto...bravo! Arrasou.

abraços
de luz e paz

Macaco Pipi disse...

o único lado que pesa é o do nosso umbigo!

Anônimo disse...

Tudo fichinha, tudo pouca bosta. No dia q eles forem lobisóme, aí sim vc vai ver.

Cáah disse...

Ola Danilo, passando pra te visitar tambem!
Obrigada pelo comentario e por ter curtido o blog, podemos trocar links sim!

bjoos

Marcelo A. disse...

Puxa, véio, você sabe como eu gosto dos seus textos, mas, nesse aqui, você se superou. Tirou as máscaras que nós - sim, nós mesmos -, muitas vezes, vestimos. A estrutura foi bem construida e as personagens foram bem escolhidas. Enfim, ótimo post!

Apareça mais vezes no "Diz"! Saudades de você por lá...

Jaime Guimarães disse...

Oi, Danilo! Muito obrigado pela visita e pelo comentário ao meu blog! Volte sempre que desejar! rs

Olha, vou na linha do comentário do Marcelo: não é incrível como gostam(os?) de manter certas máscaras no dia a dia e, na primeira oportunidade, arrancá-las? Isso porque não é possível manter-se "mascarado" o tempo todo - até porque a sociedade exige, de certa maneira,que utilizemos este recurso.

Sufoca.

Neste momento, quantas pessoas não arracam suas máscaras e se jogam no que realmente querem? "Com as portas trancadas para o outro lado, é fácil dizer".

Abs! E obrigado!

Sônia disse...

Texto muito ousado, mas cheio de verdades. Adorei!

Júlia Farolfi disse...

Muuuuuuuuito maneiro, adorei a forma que você conseguiu desmascarar cada personagem e fazê-los recolocarem suas máscaras perante os amigos... "Abaixo a hipocrisia!", adorei!

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