domingo, 28 de julho de 2013

Quando vamos protestar contra o Individualismo?


Agora escrevo em uma madrugada fria de domingo, ouvindo uma rádio que curto muito para conseguir me concentrar, enquanto lá fora, altas batidas de funk carioca estremecem a janela e não deixam meus familiares e outros vizinhos dormirem. Não é de hoje, nem de ontem, nem de semana passada que essa cena se repete, mesmo com denúncias. E nem será “de amanhã”. Quem se importa com o descanso dos outros quando está satisfazendo as suas próprias necessidades? E experimente reclamar para ver. Você está errado, sempre.

Certas situações que vivi nas últimas semanas me fizeram pensar o quanto a sociedade brasileira se transforma em determinado aspecto, mas por outro lado, continua a mesma coisa. Veja abaixo algumas junções que fiz de coisas que li e ouvi nessas últimas semanas:

“Eu quero protestar contra o Estado, então preciso ir contra tudo que ele representa. Vou quebrar bancos, carros de imprensa, bancas de jornal, lojas, concessionárias (afinal, é tudo comercio, é tudo burguesia, não?). Danem-se os prejuízos, o Estado foi atingido. O Estado faz coisa muito pior conosco todos os dias. Só assim pra nos ouvirem!”

“Eu faço parte de uma minoria que foi há anos perseguida e hostilizada pela Igreja ou outras religiões, vou atingir os seus símbolos para mostrar que não me dobro a eles. Vou quebrar santos, vou ficar seminu e beijar meu par na frente de todos, é pra chocar! Vou xingar os peregrinos, afinal, eles fazem parte dessa raça alienada, preconceituosa, que ainda promove a segregação das minorias. Vou obter respeito assim! Só dessa forma vão nos ouvir!”

 “Sou religioso, homem de Deus, vou repudiar esse povo moderninho que quer ser gay, lésbica. Isso não é de Deus! É aberração!”

“Sou a favor desse partido, tudo que o outro faça pela minha cidade, não importa, não presta, não vale, não me representa, eu quero mesmo é o meu partido no poder porque ele vai melhorar esse país.”

“[Discorda de mim em qualquer um desses pontos?] Você é um alienado! ALIENADO! A-LI-E-NA-DO (banalizaram essa palavra?)! Vai estudar! Sai do Facebook! Vai pra rua!”

Ou, indo para o âmbito pessoal:

“Se o meu filho aprontou algo na escola e a professora o repreendeu, a culpa não é do meu filho, é da escola que não soube educá-lo. Puni-lo? Claro que não. Eu educo. Ele errou, mas quem não erra, mesmo que o erro dele tenha sido um crime, mas é meu filho! A culpa é do Estado que não dá educação decente!”

“Eu não quero saber da sua vida, mas poxa, custa ME ouvir todas as vezes que me ligar para ouvir os MEUS problemas? Mas eu ouvi o que você me falou (você falou o quê mesmo?), mas agora ME escuta, deixe EU desabafar, deixar EU falar de MIM!

“Se eu encontrar um amigo meu numa fila de ônibus e ele me chamar, eu entro e furo, que sorte! Ei, olha aquela vaca furando fila lá na frente! Eu já estava aqui, não aceito isso! Falta de respeito!”

 “EU quero um namorado que ME ouça, ME compreenda, seja gentil COMIGO, ME ame, ME respeite, ME encha de mimos, repare no MEU cabelo, na MINHA roupa, etc.”

“Eu quero uma namorada gostosa, que ME compreenda, ME respeite, ME deixe livre, seja MINHA companheira...”.

Já viu/ouviu todas essas frases em algum lugar?

Posso colocar diversas cenas que você já viu (como eu) ou até já viveu (como eu). Mas o que todas elas têm em comum? A prioridade se torna o “eu”, mesmo que seja um grupo em que eu faço parte, mas tudo parte do “eu”, do indivíduo, do que ele gosta e acredita. Não se pensa nas crenças, gostos e direitos do próximo. Não se coloca no seu lugar. Os MEUS direitos se tornam mais importantes que os seus direitos, mas os SEUS deveres comigo são, para mim, mais importantes que os seus direitos. A vontade de chamar a atenção para os próprios problemas ultrapassa até mesmo os objetivos coletivos. Estes podem, na verdade, conter um punhado de manifestações individualistas (veja bem, não estou generalizando!) em busca do melhor para si ou para seu grupo, mas não o que de fato é o melhor para TODOS. Se precisar prejudicar o próximo para conseguir o que é melhor para a sociedade (PARA MIM!), dane-se, o importante é chamar a atenção para a nossa (MINHA!) causa, a nossa (MINHA!) opinião, o nosso (MEU!) ponto de vista, os nossos (MEUS!) direitos. Argumentos? Tá na Bíblia (que EU acredito), na História (até onde EU conheço!), na MINHA experiência de vida, em tudo aquilo que EU sofri, etc. E proclamam-se intelectuais santificados contra o "diabo da Alienação", que alguns (eu, não) apelidaram carinhosamente de "TV Globo" ou de "Entretenimento" (porque hoje em dia é feio se entreter, certo?). Essa é a tal "consciência enquanto cidadão"?

Estou expondo tudo isso para dizer que por mais que a sociedade brasileira tenha buscado lutar pelos seus direitos, isso não significa que todos ali despertaram para um sentimento real de coletividade. O individualismo continua firme, predominante, intrínseco, através de cada voz que ataca a opinião contrária e o caráter do outro sem ouvir os argumentos, de cada um que passa por cima do respeito, da crença, dos direitos, do trabalho e da vida alheia para atingir seus objetivos, e até na mania de sempre culpar tudo e a todos mas não olhar para os seus próprios erros.

Quando vamos protestar contra o individualismo?

Danilo Moreira

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FOTO: http://averdadenomundo.blogspot.com.br/2012/12/a-hierarquia-do-treinamento-do-ego.html

2 comentários:

Marília Tasso disse...

Parabéns você colocou muito do que penso, realmente as pessoas não pensam no coletivo, individualismo reina constantemente em nossa sociedade.

Panorâmica Social disse...

Bom, eu concordo com você em muitos aspectos, mas queria dizer que os exemplos que você levantou tem mais a ver com uma espécie de egoísmo, do que propriamente com individualismo, pelo menos no sentido filosófico da coisa.

Porque o individualismo é uma doutrina burguesa que está intrinsecamente ligada com o capitalismo, na questão do mérito individual e consequentemente na falta de solidariedade (o que tem a ver um pouco com os seus exemplos).
Por isso, eu sugiro: se quisermos lutar contra o individualismo, devemos começar questionando o sistema que lhe dá legitimidade, ou seja, o próprio capitalismo.

Grande abraço e parabéns por trazer um tema tão importante.
Almir Ferreira
Panorâmica Social

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