segunda-feira, 11 de junho de 2012

Os três educados


Era um ônibus lotado. Em um banco perto da porta, um homem estava sentado. Em volta, um rapaz com uma mochila e outro com a mão no bolso. Havia também uma garota com a sua bolsa, cuidadosamente amparada pelos seus braços.

De repente, o tal homem se levantou do banco para descer no próximo ponto.

Sim, um banco vazio!

Olhares entre os três em volta, a garota, o rapaz de mochila e o com a mão no bolso:

“Eu quero sentar, mas vai que o outro tá precisando... Seria ganância demais da minha parte me jogar no banco.”

Silêncio. Ninguém sentou. Para não parecer fome do lugar, cada um dos três disfarçou, olhando para os prédios da Avenida Santo Amaro que passavam lentamente por causa do trânsito e dos constantes semáforos. O lugar continuava vazio... E os três queriam sentar. Mas ambos se consideravam um exemplo de educação, coisa que todo mundo sabe que era o que menos existia dentro de um ônibus, além, é claro, da velocidade (pelo menos em São Paulo).

Um dos homens, o de mochila, olhou para a garota:

- Pode sentar, moça.

- Não, obrigada. – respondeu ela, disfarçando-se de modesta. – Pode sentar.

O homem sorriu. Olhou para o rapaz que estava com a mão no bolso:

- Pode sentar.

- Não fera, que é isso, pode sentar.

- Não, pode sentar você.

- Não, obrigado. – e olhou para a moça. – Senta, moça.

- Não, não, pode sentar.

Ambos haviam trabalhado o dia inteiro. Estavam com as pernas cansadas. Mesmo assim, não desistiam de querer mostrar o quanto eram gentis com o outro.

- Pode sentar.

- Pode sentar, moça.

- Pode sentar.

- Pode sentar, moço.

- Pode sentar.

- Senta ae, mano.

- Não, pode sentar.

- Senta aí...

Foi então que, de repente, para a surpresa de todos, surgiu, não se sabe de onde, uma senhora de feições carrancudas. Acelerada, esbarrou na moça e não pediu desculpas. Empurrou com o corpo o rapaz que estava com mochila:

- Se vocês três não vão sentar, eu sento.

E sentou, ficando com a cara para cima e com toda a tranqüilidade do mundo.

Os três se olharam. O sentimento era o mesmo: “xingar aquela velha folgada e arrogante.” Respiraram fundo. Não iam fazer nada. Ela era uma senhora de idade. Era total falta de educação maltratar os idosos...

E os três, com sorrisos disfarçados nos rostos e egos orgulhosos, chegaram a um consenso de que foi melhor assim, afinal de contas, eles não eram como todos os outros ali, que não pensavam em mais nada além do próprio umbigo. Eles eram pessoas bem educadas, que não iriam morrer por causa de um lugar... mesmo que uma pessoa mal educada tenha levado aquele banco de presente...

E por trás daquela postura civilizada foi possível perceber o que realmente, naquele momento, eles sentiam por dentro:

“Ora, sua velha #$%#@$%@&%...”

Pois é, como era bom ter educação... principalmente com quem merecia justamente o contrário.


Danilo Moreira

Postado originalmente no blog "Em Linhas...", em 25 de junho de 2007. *
© 2011

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FOTO: http://omundodemloves.blogspot.com.br/2010/05/onibus-lotado.html

* Texto revisado

2 comentários:

Marcelo A. disse...

Pior que acontece muito disso mesmo. Uma vez, passei por uma situação parecida, sendo que eu estava sentado e me levantei para oferecer o lugar a um senhor de idade, que, se sentindo coração, dispensou a oferta e ainda falou, fdp, que eu precisava mais que ele, UAHHAHHAHA!


O mais gozado é perceber que ninguém quer sentar, mas na hora que velha senta, todos a xingam por dentro, hehehehe...

Ótimo texto, Danilão!

Sandro Ataliba disse...

Excelente o texto. Já passei por isso algumas vezes, enquanto morava no Rio. Triste é que há quem deixe a educação de lado depois disso.

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