Abriu
a porta do quarto lentamente. Estava exausto, o corpo pesado. Seus
olhos estavam estranhos como quem olhava para um ponto fixo no horizonte. Sentou-se
em sua cama. Observou o seu quarto. Um pôster mofado do Queen, um quadro com
uma paisagem marítima, paredes rachadas, correntes penduradas e várias marcas
de tinta descascada. Era estranho.
Reparou
minuciosamente nos objetos à sua volta. Vários esquecidos. Empoeirados. Viu seu
quarto num certo estado de decadência. E pensar que anos atrás ele já foi mais
organizado...
E
então, seus olhos estranhos se viraram para a janela, ainda aberta, ainda que
tarde da noite. Sua rua tinha mudado. A árvore perto do portão do seu Mario foi
removida. Quando a cortaram? Percebeu também que algumas casas estavam
diferentes. Olhando bem, tinha uma que até não existia mais. Quando a
demoliram? Justo a mais bonita e antiga da rua?
Reparou
também na ausência de alguns vizinhos. O Luis, que vivia jogando bola até duas
da manhã; a Marina, que vira e mexe batia palmas nos portões baixos com seus
produtos de beleza e bijouterias; o Cadu, que queria ser policial quando
crescesse... Onde estavam todos eles? Será que ainda moravam por ali?
Suspirou
enquanto fechava a janela. Era hora de tomar um bom banho e ir dormir. Ao
virar-se para a porta de seu quarto, o rapaz se deparou com seu espelho. Passou
a se observar. Há tempos que ele usava a mesma blusa verde e desbotada. Estava
mais magro, abatido. Despiu o peitoral. Assustou-se ao ver as costelas mais
saltadas. Jogou-se embaixo do chuveiro. Ao voltar, abriu seu guarda roupa.
Junto às suas camisetas havia dois livros, um de atualidades e um guia de
profissões. Ambos já estavam ali há quase quatro anos. Nem se lembrava mais
deles. Isso porque durante um tempo, quando queria prestar vestibular, estes
foram as suas bíblias. No fim, não deu em nada. Lembrou-se que seus antigos
colegas de escola já estavam cursando superior, enquanto ele ainda apenas
trabalhava como caixa numa rede de fast-foods.
Vestiu-se,
arrumou sua cama, apagou a luz. Deitou-se, ainda bastante pensativo. Era
engraçado porque até naquele dia de manhã ele se sentia a mesma pessoa de
sempre. Bastou o rapaz encontrar uma antiga namorada, saber que ela casou e formou-se
em Administração, e um grande amigo repetente da escola e que agora cursava
Economia na USP, que viu os olhos do seu tempo se abrirem. Sua vida tinha se
tornado uma tinta descascada, assim como aquelas paredes do seu quarto. E
concluiu: era hora de pintar um novo quadro.
As coisas realmente mudam, e mudam tanto, que
até quem não sai do lugar acaba sentindo isso através da sua própria
deterioração.
Danilo Moreira
São Paulo, julho de 2008
© 2011
* Publicado originalmente no blog Em Linhas... em 16/07/2008. Versão revisada.
Gostou do blog? Então, não o perca de vista. Assine o feed, adicione nos seus favoritos ou seja um seguidor. Obrigado pela visita ao Ponto Três.
Gostou do blog? Então, não o perca de vista. Assine o feed, adicione nos seus favoritos ou seja um seguidor. Obrigado pela visita ao Ponto Três.
FOTO: http://br.freepik.com/fotos-gratis/pintura-descascada-ferrugem_542496.htm
3 comentários:
eu sou atrrorizado pela ideia de ter que mudar. na verdade, é uma relação meio paradoxal porque eu entendo que mudar é saudavel, nos revitaliza e pode representar uma mudança pra melhor, mas ao mesmo tempo eu tenho facilidade de me acosstumar ao antigo, ao repetido, automático. gosto de saber que, enqaunto possivel, poderei encontrar as coisas nos mesmos lugares, as pessoas que gosto nas mesmas casas, vivend um contexto que nunca muda. mas o tempo passa e, mesmo se vc ffor resistente a mudanças, eh inevital viver as mudanças das outras pessoas, das quais vc n tem nenhum controle. ultimamente, eu tenho tentado aprender a mudar e aceitar as mudanças. nao tem sido facil, mas me encoraja a praticar o desapego e procurar novas perspectivas para o velho.
gostei da sua forma de escrever. uma das coisas que prestei atenção eh que vc manda ve na pontuação. se torna uma leitura mt frustrante quando o autor esquece das virgulas, pausas e stress... o texto, dentro de uma situação pacata, rotineira, se transformou numa narração bem visual. parabens e obrigado por comentar no meu blog!
Tenho medo das mudanças, mas elas são necessárias, seja pra bem ou para o mal.
"A única constante no Universo é a mudança."
Mas rotina também faz parte do Universo: taí a lei da Gravitação Universal e as três leis da Termodinâmica como testemunha... ;)
Enfim, parece que nós, seres humanos, é que não entendemos ainda como as coisas funcionam.
Bom, quem sabe um dia...
Abraço pra você! Continue questionando.
p.s.: Bom voltar aqui, depois de tanto tempo...! :D
Postar um comentário