Vila Mariana, zona sul de São Paulo, 11 da
manhã.
Ouço aquelas risadas. Muitas. Por
um momento, esqueço que estou na sala de aula de uma faculdade. Parece que
estou em casa. O professor também. Mas, não é indisciplina. Nem desordem. É
intimidade construída ao longo de quatro anos. São amigos, que entre um slide o
outro, riem, filosofam, questionam, debatem como se falassem com um parente. E
tudo acaba numa grande gargalhada. Quatro anos. Era de se esperar que acabasse
assim, nessa grande brincadeira tão séria.
Uns fazem planos para o futuro.
Vieram de longe, mesmo que o longe ainda fique na mesma zona sul de São Paulo,
ou no extremo da zona leste. Mudaram o visual. Amadureceram. Traçam planos. Ou
então, o futuro a Deus pertence. Não importa. O que precisam mesmo é terminar
tudo aquilo, apresentar o TCC, resolver todas as pendências que ficaram.
Saio da faculdade. O silêncio dos
corredores tão característico do Matutino não é mais o mesmo. Entraram novas
turmas. Calouros barulhentos, deslumbrados com todo aquele universo da graduação.
E eu caminhando devagar, com cansaço nas costas, prazos na cabeça, e um pequeno
sentimento de saudade de tudo aquilo, sensação que aos poucos começa a me abraçar.
Subo na biblioteca, não tão vazia
como antes. Grupos de “bixos” e de outros semestres se aglomeram. Pegam livros,
jornais. Falam de matérias que eu nem me lembro mais. Alguns professores de que
falam mal conheço. Reclamam de trabalhos pesados com tensão e receio na voz.
Eu rio por dentro. “Eles não sabem o que os esperam ainda...” – penso. Sento-me
na mesa onde se encontra meu grupo de TCC . Reunião. Todos sérios. Sisudos. E
pensar que há quatro anos, mal falava com alguns deles. Outros eu já tinha
visto em todos os estados possíveis: felizes, bravos, deprimidos, eufóricos,
bêbados... E agora, todos eles ali na minha frente, com postura de
profissionais, dialogando entre si com a tensão dos prazos traduzida nas
palavras secas e objetivas e nas dores na cabeça e no estômago.
Problemas resolvidos, hora de
almoçar. Entro mais uma vez naquele restaurante com nome de personagem do Sítio
do Pica-Pau Amarelo, num casarão antigo, de mesas apertadas e receptividade
enorme, a ponto de já chamar o dono pelo nome. Comida caseira. Amigos me
acompanham. Discutimos assuntos que vão de política ao tamanho da linguiça no
prato. Hora de ir para o estágio. Me despeço de todos. “Sexta tem pastel na
feira do Ana Rosa, né?”. “Sim, tem!”. À noite, tem barzinho. Amigos de vários
semestres reunidos em uma mesa. Risos. Danças. Bebidas. Papos. Beijos. Todos
perguntam entre si: “E aí, tem planos para o ano que vem?”. Ano que vem tudo
muda. Muda? Ou recomeça? Ou volta a ser o que era antes da faculdade?
Tintas na mão. Novas caras e
corpos sendo pintados. “Vem, vem, vem bixo, vem!”. Trote com ar de despedida da
turma mais veterana. “Aproveitem, bixarada, quatro anos passam rápido!” E
passam. Não tenho mais paciência para ouvir slides e anotar explicações do
professor. Não consigo mais acordar no horário. Preciso dormir, mas não posso. Aquelas
paredes que antes me fascinavam pelo ar maduro da universidade, agora me
parecem comuns como qualquer outra. Mas, não paro de olhá-las, agora com uma
sensação estranha. Quando poderei olhá-las novamente? O mesmo faço com as
pessoas ao meu redor ali, como aquela faxineira que sempre cruzo no elevador, ou
com os antigos casarões vizinhos sendo engolidos pela especulação imobiliária. O
passado nostálgico, dividindo espaço com o presente tenso do TCC, e se
espremendo com o temor e os planos do futuro.
Curioso é ver como coisas tão simples
e cotidianas, de repente, irão se tornar apenas mais um pedaço da série de
lembranças que ocupam o nosso armário de recordações. Um ciclo de quatro anos se
fecha. Agora, incógnitas surgem, poucas certezas aliviam a sensação de pisar no
escuro. E a saudade... bem, vai tomando forma e criando corpo.
Sinal de que valeu a pena cada
segundo. E valeu mesmo. Ganhei uma valiosa bagagem e que será muito bem
guardada, com carinho. Obrigado a todos que participaram dessa história. E
continuem participando até o dia em que a vida, o destino e a rotina deixarem.
Que venha o futuro.
Danilo Moreira
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FOTO: acervo pessoal
7 comentários:
Belo ponto de vista. A vida passa tudo passa.
Ainda bem que as férias estão aí... e ano que vem a correria começa outra vez... ainda bem que ainda vai demorar um tempo pra começar meu TCC e só vai ser loucura, loucura, loucura!
O que mais me admira em um escritor é a incrível capacidade de representar com detalhes, tudo e mais um pouco, daquilo que sentimos, mas não sabemos expressar. Parabéns e muito obrigado por nos ajudar Danilo.
O inevitável será a saudade de muitos que não veremos mais, algo que talvez possa ser superado com os poucos que se tornaram amigos e/ou irmãos, que jamais deixaremos de ver.
Márcio Andrade.
Que esse ano venha repleto de alegrias e desafios para superarmos. Um bom natal pra ti continue escrevendo bonito assim sempre, bjos e sucesso na vida.
E assim é a dinâmica da vida.
Belíssima reflexão sobre uma fase da vida. Gostei muito dos meus tempos de faculdade, mas prefiro agora: dá saudade, mas não ao ponto de não querer viver o hoje... Acho melhor quando o futuro começa!
Adorei o ponto belíssimo de vista, sinto tudo isso agora que estou no 8°, essa sensação de nostalgia ao olhar paredes e portas ficam em meu pensamento todos os dias, meus parabéns pela primeira formação de muitas que ainda irão vir!
Bjos e abraços
Dhandhara Campos
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