Setembro de 2012. Final de uma tarde de domingo. Saída do SESC Interlagos, na zona sul de São Paulo. Show da banda Ultraje a Rigor. Uma muvuca seguia rumo ao ponto de ônibus. Eu e mais três amigos esperávamos por qualquer um que nos levasse a um “ponto mais acessível” a outras linhas. Ao encostar uma lotação, um bolo de gente se formou ao redor, e as escadas ficaram inacessíveis. “Vamos nesse!”, falei ao meu amigo. No fim, ficamos. Tivemos que esperar por outro.
Foi então que veio um ônibus,
piso baixo, com enormes degraus. Subimos nós quatro. O casal de amigos se
sentou em bancos de idosos. Eu e meu outro amigo ficamos em pé, ao lado deles.
Ruas depois, uma mulher loira,
baixinha, com três crianças, subiu alvoroçada. Falavam alto. Riam muito. Faziam
festa. A mulher não era mal vestida. Muito menos as suas crianças. Encostaram-se
justamente no meio do corredor. Pelo fato do coletivo estar vazio, era possível
escolher o local em que poderiam ficar. E escolheram ficar ali.
E como se não bastasse, decidiram
promover mais animação àquela viagem. A criança mais velha – devia ter pouco
mais de 10 anos – formou junto com a mãe um sanduíche, junto com as duas
crianças menores, que ficaram no meio. A mulher se segurou entre dois ferros, e
pôs-se a balançar com eles, acompanhando os movimentos do ônibus. Balanços logo
foram acompanhados de gritos exaltados. Tinha transformado o coletivo em um
playground.
Um idoso, de chapéu, entrou no
local. A minha amiga, do casal, ofereceu o lugar para sentar. Creio que ele
pensou em ir, mas o playground deve o ter desanimado de tentar subir.
E a brincadeira continuava, com a
tal mulher se jogando com os filhos entre os ferros, como se estivesse num
barco viking do extinto Playcenter. Barco apertado, diga-se de passagem. Mas
isso ela resolveu tirar de letra. Quem estivesse perto que aguentasse as
consequências. Jogava seu corpo contra quem estivesse atrás. E ria. Gritava.
Divertia-se junto com as crianças. O barulho começou a incomodar as pessoas.
Cabeças se viravam para trás, mas, numa apatia de quem estava acostumado com
situações incômodas dentro dos ônibus, evitaram qualquer manifestação. Meu
amigo, que tinha ficado em pé, foi acertado várias vezes nas costas, mas para
não arrumar confusão, preferiu apenas se distanciar da mulher.
“Veja, o pão e circo... É disso
que o povo gosta.” – comentou comigo,
irônico.
E a alegria continuava. Não sei
se aquela mulher e seus filhos conheceram um parque de diversões alguma vez na
vida, mas a sensação que transmitiam era a que realmente estavam em um, mesmo
que aqueles ferros não tenham sido fabricados para ter essa sensação. E quem estava perto, para ela,
que se danasse. Infelizmente, o tal idoso, de chapéu, era o premiado naquele
minuto. Foi jogado para o lado com violência. Nisso, os meus dois amigos, o
casal, que estava sentados, ficaram indignados, e se manifestaram contra a
mulher.
“Você é louca! Olha o senhor
idoso aí!”
Estragaram a alegria da mulher.
Chatos. Diante disso, ela não fez outra coisa a não ser ficar indignada. E a
alegria com as crianças mudou, mais rápido que o tempo em São Paulo, para um
surto de agressividade e descontrole.
“Calem essa boca! Vocês estão
incomodados com a felicidade alheia! Brasileiro não pode ser feliz que todo
mundo se incomoda!”
A partir daí, o que se seguiu foi
uma sucessão de palavras de baixo calão, trocadas entre a mulher, os meus
amigos, e também o senhor idoso, que foi inclusive recebeu histéricas ameaças de
agressão por parte dela.
E enlouquecida, até o ponto que
descemos, ela provocou. Meus amigos e o idoso se tornaram vilões. Uma outra
mulher também a defendeu, dizendo que os incomodados que fossem pegar um taxi. Injustiça.
Que absurdo destruir a felicidade alheia, mesmo que ela se resumisse em se
pendurar em ferros de ônibus. Vendo que a mesma queria exibir a seu conceito de
felicidade da mesma forma que alguém pendura uma melancia no pescoço, meus
amigos decidiram não dar mais atenção. Mas ela queria atenção. E foi os
provocando até onde descemos.
“Eu quero ver quem vai impedir a
minha felicidade. Vejam meus, filhos, não abaixem a cabeça pra ninguém! Sejam
felizes! Não deixem ninguém estragar a felicidade de vocês!” – disse,
sentindo-se imponente.
“Sim, mamãe, a gente não vai
abaixar a cabeça pra ninguém!” – respondeu uma das crianças, como se falassem a
uma super heroína perante os inimigos cruéis.
E foi assim que descemos. A
mulher ainda se vangloriando da tal felicidade, e meus amigos, os vilões cruéis
e sem humanidade, ainda sentindo pena daquela espécie de pavão bizarro de
virtudes.
É assim que vamos caminhando, com
pessoas como ela sendo felizes, mas tão felizes, que continuarão se pendurando
em ferros de ônibus, empurrando e ameaçando idosos de agressão, e ensinando as
suas crianças a acreditarem que estão sempre certas.
Um futuro emocionante nos
aguarda. Pelo menos nos transportes coletivos, que já são um reduto de
felicidade cotidiana.
Danilo Moreira
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FOTO: http://ascartasqueeunaoenvio.blogspot.com.br/2009/09/gente-folgada.html
3 comentários:
No brasil isso é muito comum de se caontecer. No japão os jovens se levantam para os idosos sentarem.
Texto crítico e com a dose certa de sarcasmo... Gostei muito do blog como um todo!
Bom... felicidade só é plena quando respeitamos e a compartilhamos com os demais; quando não prejudicamos ninguém.
Felicidade só é felicidade quando fazemos os outros felizes, quando fazemos o bem, não quando somos egoístas.
Saudades de passar por aqui.
Feliz 2013, Dan, repleto de conquistas para você!
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