domingo, 17 de agosto de 2014

Agosto de 1999


Agosto de 1999. Sétima série. 

A sala estava em aula vaga. Em uma das carteiras quase na frente, destacava-se um garoto de 13 anos, magro e com olhos baixos. Estava reflexivo. Era um adolescente introvertido. Falava pouco. Sentia uma incompatibilidade com o mundo, e principalmente, para fazer amigos. Amava o mundo com a mesma intensidade que o odiava. Sentia constantemente uma vontade de desabafar. 

O garoto achava interessante o ato de contar histórias. Viu algumas vezes na tv, principalmente no desenho do Doug, o diário em que relatava as suas aventuras. Via também, no Castelo Rá-Tim-Bum da Tv Cultura, um os episódios em que o Nino resolveu escrever um livro. Ele até que gostava de escrever. Às vezes ele colocava no papel algumas coisas que o incomodava, ou passava as tardes contando histórias inventadas para um amigo de sua rua. 

Não via a hora de sair daquela sala. Já tinha xingado várias vezes um colega que insistia em pirraçá-lo. Era impressionante como querer ficar na sua era motivo para ser ainda mais importunado. Não iria bater nele. Sabia que era minoria. Ao ouvir o sino da saída, pegou sua mochila e disparou rumo sua casa, como sempre sem se despedir de ninguém. Já anoitecia e medroso como era, andava a passos acelerados. 

Já eram quase onze da noite quando se recolheu para seu pequeno quarto. Só havia uma cama com cabeceira de baú repleta de gibis em cima e uma cômoda marfim, na qual ficava seu gravador toca fitas, a pequena televisão de oito polegadas emprestada pelo irmão, que também tinha rádio. Ao lado, sua agenda escolar azul na qual costumava desabafar e marcar recados. 

Sentou na cama. Pegou seu travesseiro. Encostou-se ao baú. Iria aproveitar que seu irmão, que ficava no quarto ao lado, ainda não havia chegado do trabalho. Com o silêncio, poderia escrever a vontade. Sobre o que os poetas costumavam falar mesmo? Ah, mulheres, mulheres, mulheres! Ele não era muito de ler, só sabia mesmo ou pelo que via na televisão ou o que as professoras o mandavam ler. Pensou em uma linda garota qualquer. Resolveu exaltar sua beleza. Escreveu um poema em um estilo que, anos depois, descobriria que era semelhante aos poetas do Trovadorismo: exaltando uma mulher como um ser quase divino. Pronto. Intitulou-o de Imagem Sedutora e Atraente. Concluiu o seu primeiro poema. 

Após escrevê-lo, respirou fundo. Colocou as mãos atrás da cabeça. Percebeu que era isso que mais gostava: escrever. Era isso que ele queria fazer em sua vida. Era sua válvula de escape, o momento em que seu “eu” aparecia sem medo e respirava livremente, inclusive para falar o que pensava. 

Desligou o interruptor. Olhou para a lua, cujos raios escorriam pela janela. Enlaçou o travesseiro com seus braços magrelos, e dormiu, satisfeito com o que havia acabado de fazer. O poema ficou ali, guardado naquela agenda em cima da sua cômoda como uma criança que acabava de nascer. Agora repousava sob o manto do papel... 

E o universo dos seus sonhos finalmente encontrava seu lugar, seu espaço, e sua terra firme. 

Danilo Moreira
Criado inicialmente em agosto de 2009 (com adaptações).

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Um comentário:

Marcelo A. disse...

Queria comentar algo, mas acho que não consigo. Só sei que fiquei emocionado... :)

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