Agora escrevo em uma madrugada fria de domingo,
ouvindo uma rádio que curto muito para conseguir me concentrar, enquanto lá
fora, altas batidas de funk carioca estremecem a janela e não deixam meus familiares
e outros vizinhos dormirem. Não é de hoje, nem de ontem, nem de semana passada
que essa cena se repete, mesmo com denúncias. E nem será “de amanhã”. Quem se
importa com o descanso dos outros quando está satisfazendo as suas próprias
necessidades? E experimente reclamar para ver. Você está errado, sempre.
Certas situações que vivi nas últimas semanas me fizeram
pensar o quanto a sociedade brasileira se transforma em determinado aspecto,
mas por outro lado, continua a mesma coisa. Veja abaixo algumas junções que fiz
de coisas que li e ouvi nessas últimas semanas:
“Eu quero protestar contra o Estado, então preciso
ir contra tudo que ele representa. Vou quebrar bancos, carros de imprensa,
bancas de jornal, lojas, concessionárias (afinal, é tudo comercio, é tudo
burguesia, não?). Danem-se os prejuízos, o Estado foi atingido. O Estado faz
coisa muito pior conosco todos os dias. Só assim pra nos ouvirem!”
“Eu faço parte de uma minoria que foi há anos
perseguida e hostilizada pela Igreja ou outras religiões, vou atingir os seus
símbolos para mostrar que não me dobro a eles. Vou quebrar santos, vou ficar
seminu e beijar meu par na frente de todos, é pra chocar! Vou xingar os
peregrinos, afinal, eles fazem parte dessa raça alienada, preconceituosa, que
ainda promove a segregação das minorias. Vou obter respeito assim! Só dessa
forma vão nos ouvir!”
“Sou
religioso, homem de Deus, vou repudiar esse povo moderninho que quer ser gay,
lésbica. Isso não é de Deus! É aberração!”
“Sou a favor desse partido, tudo que o outro faça
pela minha cidade, não importa, não presta, não vale, não me representa, eu
quero mesmo é o meu partido no poder porque ele vai melhorar esse país.”
“[Discorda de mim em qualquer um desses pontos?]
Você é um alienado! ALIENADO! A-LI-E-NA-DO (banalizaram essa palavra?)! Vai
estudar! Sai do Facebook! Vai pra rua!”
Ou, indo para o âmbito pessoal:
“Se o meu filho aprontou algo na escola e a
professora o repreendeu, a culpa não é do meu filho, é da escola que não soube
educá-lo. Puni-lo? Claro que não. Eu educo. Ele errou, mas quem não erra, mesmo
que o erro dele tenha sido um crime, mas é meu filho! A culpa é do Estado que
não dá educação decente!”
“Eu não quero saber da sua vida, mas poxa, custa ME
ouvir todas as vezes que me ligar para ouvir os MEUS problemas? Mas eu ouvi o
que você me falou (você falou o quê mesmo?), mas agora ME escuta, deixe EU
desabafar, deixar EU falar de MIM!
“Se eu encontrar um amigo meu numa fila de ônibus e
ele me chamar, eu entro e furo, que sorte! Ei, olha aquela vaca furando fila lá
na frente! Eu já estava aqui, não aceito isso! Falta de respeito!”
“EU quero um
namorado que ME ouça, ME compreenda, seja gentil COMIGO, ME ame, ME respeite,
ME encha de mimos, repare no MEU cabelo, na MINHA roupa, etc.”
“Eu quero uma namorada gostosa, que ME compreenda,
ME respeite, ME deixe livre, seja MINHA companheira...”.
Já viu/ouviu todas essas frases em algum lugar?
Posso colocar diversas cenas que você já viu (como
eu) ou até já viveu (como eu). Mas o que todas elas têm em comum? A prioridade
se torna o “eu”, mesmo que seja um grupo em que eu faço parte, mas tudo parte
do “eu”, do indivíduo, do que ele gosta e acredita. Não se pensa nas crenças,
gostos e direitos do próximo. Não se coloca no seu lugar. Os MEUS direitos se
tornam mais importantes que os seus direitos, mas os SEUS deveres comigo são, para
mim, mais importantes que os seus direitos. A vontade de chamar a atenção para os
próprios problemas ultrapassa até mesmo os objetivos coletivos. Estes podem, na verdade, conter um punhado de manifestações individualistas (veja bem, não estou generalizando!) em busca do
melhor para si ou para seu grupo, mas não o que de fato é o melhor para TODOS. Se precisar
prejudicar o próximo para conseguir o que é melhor para a sociedade (PARA MIM!), dane-se, o importante é chamar
a atenção para a nossa (MINHA!) causa, a nossa (MINHA!) opinião, o nosso (MEU!)
ponto de vista, os nossos (MEUS!) direitos. Argumentos? Tá na Bíblia (que EU
acredito), na História (até onde EU conheço!), na MINHA experiência de vida, em
tudo aquilo que EU sofri, etc. E proclamam-se intelectuais santificados contra o "diabo da Alienação", que alguns (eu, não) apelidaram carinhosamente de "TV Globo" ou de "Entretenimento" (porque hoje em dia é feio se entreter, certo?). Essa é a tal "consciência enquanto cidadão"?
Estou expondo tudo isso para dizer que por mais que
a sociedade brasileira tenha buscado lutar pelos seus direitos, isso não
significa que todos ali despertaram para um sentimento real de coletividade. O
individualismo continua firme, predominante, intrínseco, através de cada voz
que ataca a opinião contrária e o caráter do outro sem ouvir os argumentos, de cada
um que passa por cima do respeito, da crença, dos direitos, do trabalho e da
vida alheia para atingir seus objetivos, e até na mania de sempre culpar tudo e
a todos mas não olhar para os seus próprios erros.
Quando vamos protestar contra o individualismo?
Danilo Moreira
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FOTO: http://averdadenomundo.blogspot.com.br/2012/12/a-hierarquia-do-treinamento-do-ego.html
2 comentários:
Parabéns você colocou muito do que penso, realmente as pessoas não pensam no coletivo, individualismo reina constantemente em nossa sociedade.
Bom, eu concordo com você em muitos aspectos, mas queria dizer que os exemplos que você levantou tem mais a ver com uma espécie de egoísmo, do que propriamente com individualismo, pelo menos no sentido filosófico da coisa.
Porque o individualismo é uma doutrina burguesa que está intrinsecamente ligada com o capitalismo, na questão do mérito individual e consequentemente na falta de solidariedade (o que tem a ver um pouco com os seus exemplos).
Por isso, eu sugiro: se quisermos lutar contra o individualismo, devemos começar questionando o sistema que lhe dá legitimidade, ou seja, o próprio capitalismo.
Grande abraço e parabéns por trazer um tema tão importante.
Almir Ferreira
Panorâmica Social
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