Centro de São Paulo, onze da
noite. Numa esquina da Rua Aurora, um grupo de amigos, animados, cantava as
mais patéticas músicas em meio a uma ciranda desengonçada. Logo, grupos de pessoas
desconhecidas se juntaram à roda, e passaram a cantar mais alto. Cantaram de
Ilariê à música do Jornal Nacional. Quem caminhava por ali chegava a parar,
assistir e a tirar foto daqueles loucos.
Logo depois, no Palco Arouche,
ao som de Sidney Magal com “Sandra Rosa Madalena”, desconhecidos formaram uma
roda no meio do público, e uma moça, com uma rosa na boca, fazia performances
engraçadas. Ela ia na direção de alguém e dava essa rosa na boca da pessoa.
O(a) premiado(a), ia para o meio da roda, e também sensualizava. Do alto de um
prédio, uma “biba” de cabelos brancos também dançava, mas com glamour. Quem
estava em baixo reparou, e batia palmas, gritava, rasgava elogios irônicos. Foi
então que, inesperadamente, um dos holofotes do show se voltou para a tal
janela. Toda a plateia se virou, e começaram a ovacioná-la. A “biba”
empalideceu, e sentindo-se uma lady, mandou beijos antes de entrar. Até o Magal
a elogiou. Na verdade, naquela madrugada, não se sabia quem eram as maiores
atrações: o cantor, a plateia, ou os moradores dos prédios ao redor.
O ano era 2010. Era a segunda
vez, que eu ia ver a Virada Cultural no Centro de São Paulo. Foi uma noite
animada, inesquecível, com boas atrações, ao lado dos amigos. Mesmo
testemunhando um incidente (um rapaz roubou o boné de um homem e foi espancado
por outros frequentadores), tinha valido a pena.
E ontem, me deparei com
notícias de vários veículos sobre os episódios de violência na edição desse ano,
a 9º, que contou com quatro milhões de pessoas, segundo a Prefeitura. Foram dois mortos, 17 prisões em flagrante, 12 roubos, 12 tumultos, seis pessoas esfaqueadas, nove menores presos e uma arma apreendida, conforme informações oficiais. Nem vou entrar em outros dados, como pessoas machucadas e arrastões, para não tornar o texto alarmista. É claro que casos
violentos também aconteceram em edições anteriores, como em 2007, marcado pelo
confronto entre público e PMs e que interrompeu o show da banda Racionais MC’s,
na Praça da Sé. Mas confesso que esse ano, mesmo não tendo ido, me espantei com
a quantidade de relatos de assaltos, arrastões, agressões, brigas e até a
negligência de alguns policiais que presenciaram grande parte dos atos. Certamente,
a incidência desses casos foi maior do que nas edições anteriores.
Não é novidade que quase todo
evento aberto com grande público (ou não) acaba por atrair cenas de violência como as
noticiadas. Mas dessa vez, a quantidade de relatos nos comentários dos sites,
além do testemunho de vários repórteres que faziam a cobertura dos locais, me
levou a pensar no grau de doença da nossa sociedade. Jovens usam o espaço
público para explanar violentamente as suas revoltas e o seu desejo de
“liberdade” por meio do consumo exagerado de bebidas e drogas. Outros, se
aproveitam da multidão e da certeza da impunidade para “causar” terror e roubar
o máximo de pertences possíveis (e nem o senador petista Eduardo Suplicy
escapou dessa). E tem os clássicos: lixo no chão, depredação de mobiliário
urbano, urina em qualquer canto, etc.
Em suma, um evento que deveria
extrair o melhor do ser humano acaba por reproduzir as mazelas da sociedade
atual, desde aos infratores “tocando o terror”, a pessoas de bem sofrendo
traumas da violência e sendo obrigados a usarem o instinto de sobrevivência
como se estivessem em uma selva. É claro que a Virada Cultural é muito mais do
que o Centro. Existem outros pontos da cidade, bem mais tranquilos, onde toda a
família pode curtir e de fato respirar cultura (como no SESC Interlagos –
publiquei uma reportagem aqui em 2011 sobre a Virada no local). Mas a questão
não é essa. O problema é ver um grande palco cultural como o Centro ser ofuscado
por esses casos de violência.
Fica aqui a lição. A sociedade
precisa de cultura. Mas antes disso, precisa aprender a ser uma sociedade. Não
só nos hábitos e na Educação, mas nas cobranças ao Estado e no acompanhamento
do que é feito pela cidade onde mora. Caso contrário, seja na Virada Cultural
ou em outros eventos, a violência desmedida e impune continuará a se tornar a “atração
principal”.
Danilo Moreira
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Foto: acervo pessoal
Foto: acervo pessoal
4 comentários:
Pois é Danilo vou acrescentar neste comentário em seu post maravilhoso sobre esta triste situação o mesmo que comentei no post do facebook da Ana Carolina Leite, proferiu sábias observações assim como você.
Segue abaixo, agora para você:
Adorei vossa sábia observação! Parabéns menino! Além disso a Virada é uma oportunidade ótima de acesso à cultura gratuita que faz parte de um processo de educação. Pena que nas escolas públicas o uso de cultura artística ainda é escassa, mesmo com grandes avanços em algumas escolas como os CEU's, ainda é muito pouco. É preciso que o uso da arte e cultura esteja na soma matemática, na composição química, na concordância verbal da gramática, na área geométrica, no espaço geográfico, no DNA biológico, nas leis da física, nos dados históricos, na maravilhosa van filosofia e em todas as disciplinas do ensino em geral. Tive professores ousados que usaram a arte nestas disciplinas e outros que seguiram o padrão ultrapassado. Sei bem diferenciar e creio ser disso que precisamos!
Acrescento ainda que estamos fracos em relação a mídia que poderia dar a mesma importância para os acontecimentos positivos da Virada Cultural, um evento ímpar e extremamente necessário para vencermos, justamente, essa violência, com arte e cultura.
Parabéns pelo texto e por ótimas observações!
Abraços
Naveya.
Ótimo texto, parabéns por sua visão crítica.
Tem tag para vc lá no blog, dá uma passadinha lá :D. Beijo!!!
http://inspiracaoentrelinhas.blogspot.com.br/
A virada é algo que devia ser visto como algo muito mas muito importante, vi entrevistas com os realizadores e fiquei pasma com o tanto de coisa que ia ter, mas onde há muita circulação de pessoas é previsto violência, comportamento animal e oportunidade de assaltos, é uma pena mesmo. Tem virada cultural aqui numa cidade perto da minha, e sempre dá tudo muito certo, tem brigas, mas não chega a ter mortes.
Nunca estive em uma vira cultural em São Paolo por esse motivo... A vontade de ir é imensa mas não tenho coragem.
Desculpa, mas não entendi essa lição que tu sugeriu no final...
Alias, ótima escrita!
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