sexta-feira, 12 de abril de 2013

Bom moço on-line



Mauricio sentou na frente do seu notebook. Novo dia, nova esperança. Abriu o site de empregos. Nada. Dias se passavam, e os primeiros currículos que tinha mandado há um mês pareciam ter entrado no limbo. Nenhum retorno.

O Comunicador recém-formado entrou na sua conta no Facebook. Várias marcações, a maioria com memes ou fotos. Fuçou em sua timeline. Um de seus amigos tinha compartilhado uma matéria sobre o uso das mídias sociais. Ah, as mídias sociais! Na faculdade, o que mais se ouvia falar eram delas. “Cuide de sua imagem nas mídias sociais!” “Evite postar informações comprometedoras!”. Desde então, Maurício pensava melhor em tudo que postava. Sabia também que era cada vez mais comum empresas pedirem os perfis dos candidatos para avaliar a personalidade. Mas o rapaz sempre se considerou discreto. Postava uma notícia ou outra, uma bobagem aqui ou ali, mas nada em excesso. Pensava como alguns de seus amigos, geralmente mais novos, conseguiam publicar coisas tão bizarras e não sentir vergonha disso.

Passou os olhos em um meme que foi marcado no dia anterior. Sorriu. Falava sobre a gafe de uma repórter famosa. A cena já tinha virado piada com várias versões. Pensou em deletar os comentários maldosos. Mas, seus amigos poderiam ficar chateados. A conversa tinha sido tão boa. Riu sozinho por vários minutos. Mas tinha enviado currículo para uma vaga naquele veículo. Poderia lhe trazer problemas.  

Olhou também para a foto do seu perfil. Gostava mais daquela em que fazia cara de mau enquanto segurava uma garrafa de whisky. Mas decidiu trocar por uma em que vestia terno e mostrava um sorriso simpático. Tinha mais fotos comprometedoras?

Fuçou nos seus álbuns. Fotos de baladas. Algumas pesadas. Poses engraçadas, caretas, descabelado, bêbado, tatuagens à mostra, brincos e piercing na orelha, pernas moles, escorado nos amigos também alterados. Concluiu que aquilo era péssimo para a sua imagem profissional. Pensou se esse era o motivo por ainda não ter sido contratado. Decidido, apagou as fotos e as marcações. “Pena. Tanta gente curtiu...”.

Ouviu o barulho de uma notificação. Quando foi ver, um amigo tinha o marcado em um vídeo em que mulheres descabeladas trocavam socos na rua. Decidiu ignorar. Minutos depois, outro aviso. Marcaram-no na imagem de um gordo que exibia roupas íntimas femininas com a bandeira de um time adversário. Retirou a marcação da foto.

Já estava irritado. Como era possível apresentar um perfil daquele, cheio de futilidades, com amigos que pareciam não ter conteúdo? Ele precisava mostrar que tinha diferencial, que era um profissional culto e que não perdia seu tempo com assuntos fúteis. Pesquisou dicas de postura na internet. Toda notícia das editorias de política, economia, negócios e tecnologia, logo era compartilhada. Passou a postar frases motivacionais e nada sobre sua vida pessoal. Seus amigos lhe marcavam em conversas, em fotos de baladas e farras com amigos. Preocupado, ia lá e desmarcava. Um deles o chamou via inbox perguntando “se tinha virado intelectual”:

“Não. Eu apenas tenho uma imagem profissional a zelar.”

“Mas isso é ridículo, cara! Você não faz nada que ninguém não faça. E o perfil é seu, posta o que quiser.”

“Não é assim que as empresas pensam. Essas coisas podem deixar más impressões sobre mim. Desculpe, mas não sou mais um moleque para postar todas as porcarias que vejo e eu preciso trabalhar. Abraço!”

Aboliu as abreviações. Se precisasse, apagava e reescrevia o post. Excluiu palavrões e frases em caixa alta. “Pronto!”, exclamou, satisfeito. “Agora esse é um perfil digno de um profissional como eu”.

No dia seguinte, respirou fundo. Nada de vagas. O problema era ele? Reparou nos perfis de outros amigos que já trabalhavam. Sérios, mas com certo equilíbrio entre o humor e o bom senso. Ainda sim, Mauricio não tirava da mente o receio de seu perfil estar o tempo todo a ser vigiado. Era uma espécie de câmera moral-empresarial invisível, pronta para flagrá-lo em qualquer deslize. Ele tinha que se cuidar.

Suspirou. Olhou novamente para seu perfil. Teve um estalo. “Estou postando demais! Vão pensar que sou viciado em mídias sociais! Nem toda empresa gosta disso!” Poderia ocultar os posts, mas, o mundo era pequeno. E se o futuro empregador for amigo de algum amigo seu e por acaso acabasse vendo? Pensou, por um momento, se não estava com paranoia. Sentia-se sufocado. Olhou para seu perfil. Então esse era o Maurício que agradaria as empresas: um bom-moço, português impecável, que se só interessava por assuntos relevantes à sociedade. Além de ser um sujeito sempre motivado na vida.

- Não. Esse cara não sou eu.  

Sentiu uma ponta de consternação. Antes era tão fácil. Não se preocupava. Não tinha tantos receios. Gostava de falar bobagens. Cada foto era apenas uma boa recordação. Já teria perdido algumas junto com o antigo computador se não estivessem ali. Valia a pena fazer todo aquele papel? Ah, falava um especialista de um vídeo que assistiu, as mídias sociais eram ótimas para firmar contatos profissionais. Mas, até quando frequentaria baladas, ficaria com pessoas, beberia todas, se vestiria como quisesse, e ia temer que tudo isso fosse publicado? “Ou sou como sou nas redes sociais, ou deixo como está, e aguento o tranco!”.

Optou pela segunda alternativa. Afinal, ele precisava trabalhar.

E assim, pelo Facebook, os amigos viam um Maurício diferente, mais culto. Pessoalmente, ainda continuava o mesmo, porém, mais discreto. Com o tempo, deixou de ser lembrado pelos amigos nas brincadeiras online, já que sabiam que ele iria ignorá-las. Fez contatos profissionais, mas não se sentia à vontade para conversar com eles, já que apareciam online poucas vezes e compartilhavam apenas notícias da área ou frases de autoajuda. Mesmo quando ele comentava, no máximo curtiam.

Até que certo dia, cansado, decidiu desativar a sua conta. Tinha preocupações demais com a imagem para manter algo que só a colocava em prova. Mas ficou receoso. E se postassem algo sobre ele, como iria saber? E os aniversários? E os eventos? E as vagas de emprego? E os contatos profissionais?

E contrariado, decidiu manter a conta. Mas era como se não fosse sua.

***

- Nada disso, filho, você não vai sair na rua com essa bermuda e essa camiseta! Vista essa camisa polo e a calça que eu te dei! Filho meu anda por ai bem arrumado!

- Mas mãe, essa camisa e essa calça me apertam demais! Não tem nada a ver comigo! E eu sempre uso essa bermuda e essa camiseta!

- Já disse! Quer que as pessoas comentem de você? Vão falar que você é maloqueiro, que não tem casa, que é vagabundo! Você quer isso?

- Não!

- Então se vista como eu estou mandando! Vai logo ou vai ficar para trás!

- Tá bom! – respondeu o menino, cabisbaixo, enquanto voltava para seu quarto. 

Danilo Moreira

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FOTO: http://temmasjacabou.blogspot.com.br/2012/04/falsos-moralistas.html (Google)

4 comentários:

Tati disse...

Assumir o que gosta, o que pensa é um risco... tragicômico pensar que muita gente faz o exercício colocando a "culpa" no que os outros vão pensar bem mais do que a própria "consciência" acha de si mesmo!

Renata Santos disse...

Se importar com o que os outros pensam realmente é algo sério...tanto indo para um lado como para outro. Mas é tão relativo essa coisa de manter o equilíbrio, vai do ponto de vista de cada um.

Gostei do post! Muito bom! =)

Suely Melo disse...

Paranoia. Em meio ao caos em que vivemos, muitas vezes nos esquecemos que o que os outros pensam sobre nós é o de menos. Se formos viver somente para agradar os outros, não vivemos, perdemos a identidade e nos condenamos a uma vida vazia. Horrível esse negócio das empresas fuçarem as páginas pessoais dos candidatos. Somos humanos, não máquinas, vivemos de contextos. O fato de me divertir para caramba numa festa, com amigos, falar palavrão, não quer dizer que sou irresponsável e mau profissional.

Show! Bjos, Danilo.

Millena disse...

Temos que parar de nos importam no que os outros pensam e falam sobre nós para sermos mais felizes.

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