segunda-feira, 8 de junho de 2009

Clara e sua Sombra


Fechou-se no escritório. A tarefa: escrever uma crônica para um jornal, coisa que ela, jornalista, sempre fazia todas as noites de sexta para sábado. Eram crônicas relacionadas a temas do cotidiano, tanto no campo político quanto no social e no religioso. Estava inspirada. Iria escrever sobre as declarações cínicas de um político que participara do “Mensalão” mas fora absolvido. Mais um impune, como sempre.

Começou a escrever a primeira linha. Deixaria o titulo por último. No parágrafo, iniciou já citando a famosa “pizza” distribuída entre os políticos absolvidos. Foi desenvolvendo o texto, descarregando com um fio de ironia toda a sua indignação com o fato. O texto estava saindo bonito, talvez nem fosse necessário revisá-lo. O trabalho do dia seria mais rápido.

Porém, de repente, Clara parou de escrever por um momento. Olhou para trás. Devido ao abajur aceso sobre a mesa, única iluminação no local, sua sombra estava sendo refletida na parede. Deu risada. Lembrou-se de que, quando pequena, das histórias que sua mãe contava sobre a nossa sombra. Dizia-se que nós não podíamos ficar muito tempo olhando para ela, senão ela ia sair da parede, nos pegar e levar de volta com ela para lá. “Como o povo gosta de pôr medo nas crianças...”

E virou-se novamente para o seu notebook. Continuaria a escrever sua crônica. Virou-se de novo. Aquela sombra estava muito estranha. Ela era sempre torta daquele jeito? Clara coçou a cabeça. Não se recordava daquela sombra. Talvez nunca tivesse reparado nos seis anos em que escrevia por ali e da mesma maneira.

Começou a sentir uma sensação esquisita. Parecia que a sombra estava de olho nela. Parecia ate estar se mexendo sozinha, mesmo com ela parada na cadeira. “Eu hein!” pensou ela, voltando-se novamente para seu notebook. Escreveu mais uma linha. Parou novamente. Cismara com a sombra. “Que absurdo – pensava ela – tô parecendo quando era criança, cismada com um simples fenômeno físico. Aliás, nem acho isso fenômeno. Eu não acredito que parei a minha crônica por causa da minha sombra. Preciso dormir mais...”

E voltou-se novamente para seu texto. Pronto, não conseguia mais escrever. Bloqueio. Agora, começara a sentir um leve arrepio nas costas. Resolveu ficar de pé, e só de deboche, começou a brincar com a sombra. Tudo normal como sempre: o que Clara fazia, a sombra fazia também. E pronto. Sentou-se de volta na cadeira, voltando a escrever mais algumas palavras. Palavras essas que passaram a demorar a sair, até Clara travar novamente. Pronto, por causa da sombra, perdera a inspiração para escrever.

Ficou irritada e fechou o notebook. Resolveu escrever no dia seguinte, bem cedo, sem sombra para lhe deixar paranóica. Apagou o abajur, ficou de pé e saiu do escritório, indo diretamente para o seu quarto. O estranho é que, após fechar a porta, ouviu-se um estranho barulho vindo de lá de dentro.

Preferiu não ver o que era. Como dizia a sua mãe, era melhor não mexer com essas coisas.

Danilo Moreira
São Paulo, maio de 2006


FOTO: http://mfda.files.wordpress.com/2008/01/sombras.jpg

7 comentários:

Bruno Silva disse...

Inspirado.

Na hora eu pensei. Do que temos mais medo senão de nós mesmos? Medo do que somos capazes, de onde podemos ir pra conseguir algo. No exato meio do texto, procurei a minha sombra. Não a encontrei, ela estava perdida pelo quarto, ofuscada pelo pouca, quase nenhuma luz, que não a conforta, nem lhe dá vigor. Sombras,são os nossos medos, que mesmo em boas situações, ele(ela) nos persegue. Gosto daqui como gosto do meu word e dos meus dedos à teclar.

Wander Veroni Maia disse...

Oi, Danilo!

Tem coisas que acontecem só na nossa cabeça mesmo...hehehe...uma sombra pode ser tanta coisa, né! mas acaba que vamos para o misticismo para entender as coisas que não tem explicação. Adorei o texto!

Abraço

Corvo Torto disse...

que inspiração meu!!!!!
parabens!!!!
otimo conto...
acredito que contos de supense são os melhores!!!!
vc o escreveu muito bem...
é uma coisa onde todos quando são crianças se intrigam com a propia sombra não sei porque quando crescemos esquecemos de tudo isso!!!!
abraço forte!!!

aguardo sua visita!!!!

Aflaudisio Dantas disse...

que texto legal
vez por outra uma sombra dessas aparece pra mim tbem

Marcelo A. disse...

Muito legal, Danilo...

Sabe que me identifiquei com a Clara? Quem nunca se pegou pensando coisas do tipo, que atire a primeira pedra!

Rsrsrsrsrsrs!

É como o amigo aí de cima falou: tem coisas que só acontecem na cabeça da gente mesmo... eh, eh!

Cara, parabéns! De verdade. Você escreve muitíssimo bem, velhinho. Ganhou um fã!

Se puder, dá uma passadinha lá no "Diz"! Porque eu, passarei aqui mais vezes!

www.marcelo-antunes.blogspot.com

Abração e sucesso!

Márcio disse...

Começou falando de política, algo tão real e material e caiu no medo-comum, no misticismo. A protagonista, jornalista indignada com a situação pronta para lutar contra a corrupção, de repente sente-se como uma criança indefesa frente a uma sombra. Perfeito.

Bruno Silva disse...

O negócio tá tão bom aqui, que fiz um selo merecivel. Obrigado pela ótima leitura...
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